quarta-feira, 27 de julho de 2016

Vantagem (?) de lutar em casa

Vantagem (?) de lutar em casa
Emerson Franchini*

Os Jogos Olímpicos do Rio estão chegando e aumentam as apostas sobre o desempenho dos atletas em diferentes modalidades. Como as modalidades de combate representam cerca de 20% do total de medalhas, o desempenho nestas modalidades pode ser crucial para o bom posicionamento dos países no quadro de medalhas. É sempre muito difícil predizer quem conquistará medalha e quem não, mas algumas constâncias são observadas ao longo dos Jogos, seja em decorrência da tradição de alguns países em modalidades específicas (p.ex., o Japão no judô, a Itália na esgrima, a Coreia do Sul no taekwondo), seja pela vantagem comumente observada de competir em casa. Como tradição não se conquista de uma edição para a outra dos Jogos, vou fazer algumas considerações em relação ao segundo.
Em estudo recente (http://link.springer.com/article/10.1007/s11332-016-0286-9), ao analisarmos os países que sediaram os Jogos Olímpicos após a dissolução da União Soviética (i.e., Jogos Olímpicos de Atlanta 1996 a Londres 2012), observamos que a probabilidade de conquistar medalhas (total, ouro e prata) aumentou em duas vezes quando os atletas competiam em casa em relação à média conquista nos Jogos fora de casa. Isso funciona para todo mundo? Embora, todos melhorem ao competir em casa, existem países que aproveitam melhor a competição em casa e outros em que o efeito é menor. Vejamos dois casos: (1) a China, por exemplo, fez um excelente trabalho, pois, durante os Jogos de Beijing 2008, conquistou quatro medalhas no boxe (dois ouros, uma prata e um bronze, terminando em primeiro no quadro de medalhas desta modalidade), quatro no judô (três ouros e um bronze, terminando em segundo lugar no quadro da modalidade), três na luta (um ouro e duas pratas, terminando em quarto no quadro da modalidade), duas na esgrima (um ouro e uma prata, quinto posto no quadro da modalidade) e duas no taekwondo (um ouro e um bronze, terminando terceiro no quadro da modalidade). Para que tenhamos dimensão deste feito, basta considerarmos que com o resultado apenas das modalidades de combate a China teve resultado melhor do que o Brasil em todas as modalidades; (2) Por sua vez, a Austrália conquistou apenas um bronze no judô, um ouro e uma prata no taekwondo e nenhuma outra medalha nos demais esportes de combate, quando sediou os Jogos em Sydney 2000. Resultado ruim não? De forma alguma, pois a Austrália não obteve nenhuma outra medalha nestas modalidades nos Jogos disputados fora de casa entre 1996 e 2012. Portanto, parece claro que existe vantagem em competir em casa, especialmente quando o país tem tradição nestas modalidades. Aguardemos Tokyo 2020 para confirmarmos isso no judô.
Seguindo essa tendência, seriam esperadas sete medalhas para o Brasil nas modalidades de combate (boxe, esgrima, judô, luta e taekwondo). Como toda análise estatística pressupõe um intervalo de confiança, para este caso os valores estariam entre 5 e 10 medalhas. Ou seja, qualquer valor inferior a 5 medalhas, o Brasil não soube aproveitar bem esta vantagem, ao passo que qualquer valor acima de 10 medalhas, o Brasil fez um trabalho excepcional. Qualquer resultado entre esses dois extremos, o Brasil terá mantido seu resultado típico nestas modalidades, com a adição do “efeito casa”. Diga-se, porém, que o resultado nestas modalidades é maior do que nas demais, dado que 13% de todas as medalhas de ouro e 22,2% de todas as medalhas do Brasil em Jogos Olímpicos são oriundos destas modalidades. Dentre essas modalidades, o judô é a fonte da maior quantidade (três ouros, três pratas e treze bronzes).

E por falar em judô...
O judô foi citado como carro-chefe do Brasil ao longo do ciclo (vejam por exemplo, matéria de agosto de 2012: http://globoesporte.globo.com/lutas/noticia/2012/08/medalhistas-brasileiros-projetam-judo-como-carro-chefe-no-rio-2016.html e de abril de 2016: http://www.brasil.gov.br/esporte/2016/04/judo-e-forte-promessa-de-medalha-nos-jogos-rio-2016). Isso é consequência da modalidade conquistar medalhas desde os Jogos de Los Angeles 1984 e, sobretudo, do excelente resultado observado em Londres, quando a melhor campanha em Jogos Olímpicos, até o momento, foi feita pelo judô brasileiro. Assim, todos os que torcem por nossos atletas esperam bons resultados.
No judô, especificamente, existe vantagem em lutar em casa? Quando se trata das competições do World Ranking List, sim (http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/?term=Franchini+E+and+home+advantage). Contudo, uma análise detalhada do desempenho dos países que sediaram os Jogos Olímpicos pode trazer algumas informações surpreendentes. Alguns exemplos:
(1) Em 12 edições do judô olímpico masculino, Canadá, Espanha, Austrália, China e Grã-Bretanha não conquistaram medalha quando sediaram os Jogos;
(2) Desde que o feminino passou a ser disputado oficialmente (Barcelona 1992) nenhum país sede conquistou medalhas no masculino e no feminino, porém nenhum país ficou sem medalhas na modalidade ao competir em casa.
Assim, claro está que o Brasil pode fazer história ao conquistar medalhas no masculino e no feminino ou confirmar a história e conquistar medalha apenas em um dos sexos. Embora as chaves sejam sorteadas apenas em 04/08, quando será possível fazer análise mais detalhada, vale ressaltar que o Brasil tem duas equipes com experiência: cinco atletas do feminino possuem medalhas em Mundiais [Sarah (três bronzes), Érika (uma prata e dois bronzes), Rafaela (um ouro e uma prata), Mayra (um ouro, uma prata e dois bronzes) e Maria Suelen (duas pratas)], sendo que duas também possuem medalhas em Jogos Olímpicos (ouro de Sarah e bronze de Mayra); no masculino são três os medalhistas em Mundiais [Victor (um bronze), Tiago (um ouro) e Rafael Silva (uma prata e um bronze)], com três medalhistas olímpicos (bronze de Kitadai, prata e bronze de Tiago e bronze de Rafael Silva). Essas conquistas e experiência certamente chamam a atenção dos principais adversários, os quais devem ter estudado os atletas brasileiros.
Permanecendo os atuais inscritos e considerando o ranking, teremos três cabeças de chave no masculino (Kitadai, Penalber e Rafael Silva) e três no feminino (Sarah, Érika e Mayra). Embora ser cabeça de chave possa trazer eventual vantagem, é importante lembrar que o posicionamento no ranking resultou em baixa predição do posicionamento nos Jogos de Londres 2012 (http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4594139/). Especificamente para o Brasil, o posicionamento no ranking (e por consequência o posicionamento na chave) teve pouca associação com o resultado final naqueles Jogos para o grupo como um todo (r = 0,35, Figura 1) e para o masculino (r = -0,08, Figura 2), mas apresentou boa associação para o feminino (r = 0,74, Figura 3), o que, se mantido no Rio, aponta maior possibilidade de sucesso para este grupo.


Figura 1: Posição no ranking da Federação Internacional de Judô e posicionamento final nos Jogos Olímpicos de Londres 2012 para os atletas da Seleção Brasileira de Judô.


Figura 2: Posição no ranking da Federação Internacional de Judô e posicionamento final nos Jogos Olímpicos de Londres 2012 para os atletas da Seleção Brasileira Masculina de Judô.

Figura 3: Posição no ranking da Federação Internacional de Judô e posicionamento final nos Jogos Olímpicos de Londres 2012 para os atletas da Seleção Brasileira Feminina de Judô.

Agora é aguardar o sorteio das chaves e esperar as surpresas, que constituem a única coisa possível de garantir que acontecerá nos Jogos.



* Docente da Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo; vem estudando o judô de forma sistemática desde sua iniciação científica (1995) até seu pós-doutoramento na Universidade de Montpellier (2014).